Carvalho Pereira Fortini
ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES DO CONSUMO - UMA MIRAGEM
Por Roger Sejas
Por ocasião da semana em que se celebra o Dia Mundial do Direito do Consumidor (15.03), veio à mente recente estudo elaborado por ocasião do Mestrado que estamos cursando na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, especificamente sobre as Resoluções Alternativas de Conflito e Litígios, do qual extraímos uma síntese do abordado em um dos trabalhos.
Lamentavelmente, as conclusões não são tão alentadoras para o Direito do Consumidor, ao menos no que se refere às medidas alternativas ao Judiciário para compor os problemas decorrentes dessa relação fornecedor/produtos ? consumidor.
Falamos, especialmente, da utilização da arbitragem no Brasil quando se trata do enfrentamento ou composição dos litígios e/ou conflitos de natureza consumerista.
Apesar de ser desnecessário traçar discurso extenso sobre o que vem a ser a arbitragem, merece uma breve nota a característica desse instituto, nem tão contemporâneo, como aquele em que as partes submetem a uma ou mais pessoas (Tribunal Arbitral) a solução extrajudicial de entraves e controvérsias, de qualquer natureza de direito disponível – ou seja, que se possa transacionar, renunciar e transigir.
Nem precisaríamos trazer aqui muitos argumentos para justificar a necessária adesão ao procedimento arbitral, bastando para tanto a constatação da falência da estrutura estatal disponibilizada para o exercício da tutela jurisdicional – quem é parte em processos em trâmite nos variados foros e tem a angustiante experiência de aguardar eficaz solução para seus pleitos, sabe do que falamos e quanto é frustrante o ritmo de um ou dois despachos por ano nas ações, desestimulante do mais esperançoso e crédulo na máxima (nem tão verdadeira assim) de que a “Justiça tarda mais não falha”.
Porém, retornando ao tema Arbitragem Consumidor; onde é que se nota um descompasso na ampliação das câmaras arbitrais para solução desses conflitos? Seria uma lei elitista e em mãos de poucos – Câmaras arbitrais privadas e seus grandes players – que não desejam se ocupar com pequenas questões como as de um eletrodoméstico inadequado ao consumo adquirido pela internet e que chega roto ao consumidor?
Olhando para fora, encontraremos uma resposta nem tão reconfortante a nós, brasileiros, e que vai ao encontro da reflexão acima, porque nos Estados Unidos da América (precursores no tema e são os que mais utilizam o sistema, inclusive para questões do consumidor, cuja defesa dos seus direitos é de vanguarda) possuem mais de 57.000 árbitros espalhados nos seus 35 estados confederados (dados da American Arbitration Association – AAA).
Analisando Portugal, pela identificação próxima e para o exercício comparativo do tema, a circunstância não é muito diferente, todavia, divergente se contraposta ao que ocorre aqui no Brasil; pois lá, há um incentivo do próprio Estado para que se aplique a arbitragem no direito consumerista, e por uma razão muito simples: - a litigiosidade e beligerância são empecilhos à objetivação de uma justiça célere e aproximada dos agentes; um adubo à paquidérmica estrutura jurídica estatal.
Não por isso, além dos portugueses terem criado uma Rede Nacional de Centros de Arbitragem Institucionalizada (RNCAI) voltados ao consumo – os quais são vários (uns vinculados às universidades, outros especializados em setores de mercado, como seguro, agências de viagens, serviços energéticos e automóveis) – apresenta números intrigantes: - só para se ter uma ideia, até a consolidação e fechamento do ano de 2016, 1199 processos foram distribuídos (dentre as reclamações, mediações e arbitragens) dos quais restam apenas 109 processos pendentes (apenas 5 de arbitragem).
Já no Brasil a realidade revela uma arbitragem de consumo árida, incipiente e quase inexistente. A Câmara de Comércio Brasil-Canadá, a Câmara de Arbitragem de maior atuação (com destaque para outras não menos nobres, como CAMARB, Câmara da FIESP, FGV, etc...) no mesmo período anotou apenas 98 procedimentos arbitrais; nenhum que se refira à Arbitragem do Consumo.
Não se tem uma explicação razoável para esse disparate; talvez algo conjuntural e cultural, no qual o Estado se vê obrigado a centralizar ainda a política de consumo como medida protetiva ao abismo social existente entre o consumidor e o fornecedor/produtor – não à toa a razão do veto para inclusão ampla da arbitragem de consumo, admitida apenas se iniciada pelo próprio consumidor (vide Lei 9.099/95 alterada pela 13.129/15).
O que também não se justifica, na medida que o Código de Defesa do Consumidor no art. 4º, inc. VI, promove e incentiva a criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, e a arbitragem é um desses.
Quiçá seja pela sensação ainda deturpada do consumidor de que a tutela jurisdicional só tem valia ou lhe dá garantia se prestada diante de um Tribunal integrante do Poder Judiciário ou sob a batuta de um Magistrado.
E aí, nada contra o sentimento da segurança jurídica que o Judiciário ou o ilustre Juiz possa proporcionar e espelhar ao cidadão comum, e até é isso mesmo que se espera acerca dos mesmos; no entanto, os mecanismos da lei (essa sim a principal fonte do Direito – é preciso difundir isso) e especificamente da arbitragem já são por demais assecuratórios de que a decisão arbitral torna efeito a curto prazo (máximo 6 meses) e ainda por cima assume as características de um título executivo extrajudicial, passível de exigibilidade direta no Judiciário sem necessidade de rediscussão meritória da causa, um ganho para as partes envolvidas.
O que distingue então o Brasil nessa causa ou na aplicação da arbitragem do consumidor? Provavelmente, o elitismo arbitral dificulta a ideia de sua utilização de forma mais abrangente. Para se ter uma ideia os custos de um procedimento arbitral ainda são altíssimos (alguns estipulam taxas iniciais mínimas de R$3.000,00, além de honorários do árbitro estimados de R$500,00/hora) o que inviabiliza torná-la mais pop e ao alcance dos que têm sede por uma composição ágil e especializada do seu litígio.
Paralelo a isso, talvez uma campanha incentivadora do próprio estado brasileiro para difundir as vantagens do procedimento arbitral e, de certa forma, franqueando com sua atenta fiscalização – para não perder o caráter paternalista da proteção ao consumidor (art. 170 da Constituição) – a instituição de entidades de baixo custo, no entanto regulamentadas e direcionadas para esse fim.
Enquanto isso, os foros vão se apinhando de volumosos processos, às vezes nem dizendo respeito a questões de cunho e vulto de grandiosidade econômica. Assim os próprios Juizados Especiais já não conseguem colocar em prática o princípio fulcral da celeridade às demandas neles distribuídas.
E as Câmaras Arbitrais existentes, a despeito da distinta qualificação de seus nobres árbitros e de excelência e eficiência procedimental, sem condições de reduzir os custos para atendimentos de demandas de natureza consumerista, distanciam cada vez mais o instituto para esse tipo de relação.
A glamourização dessa ferramenta para as relações de consumo, provavelmente, não favorecerá ao Brasil acompanhar o avanço doutros países, e representa um desconforto para a democratização e pulverização de um instituto que só traz ganhos para a sociedade, angustiada e frustrada com a incerteza e desalentadora máquina estatal judiciária, incluindo aí o fornecedor/produtor e também o consumidor.
Fato é que uma conscientização dos operadores do direito, dos seus agentes já estabelecem um movimento inexorável para as resoluções alternativas de litígio, vide o novo Código de Processo Civil que fomenta e incrementa negociações processuais fazendo menção expressa não só à arbitragem, como também à mediação e conciliação, essas duas últimas, hoje em dia operantes somente no campo institucional dos Procons e/ou Judiciário.
Caberá, entretanto, ultrapassarmos o paternalismo e protecionismo estatal a essa relação, como se retratassem - falamos do vínculo de consumo – de uma opressão do empresariado em face do consumidor e seu flagelo e indissociável hipossuficiência, nem tão frágil e nem comum assim. Também os agentes do instituto devem se despir da empáfia que a atual e cara estrutura arbitral afasta aflitivos consumidores diante de suas comezinhas demandas, os quais poderiam ser atendidos em gabinetes low profile, porém, com eficiência e foco na solução do problema. Esse dilema revela uma visão impeditiva da aplicação da Arbitragem para as relações de consumo e é incoerente com os objetivos sociais de composição amistosa de suas contendas e com uma política popular, democrática e efetiva de natureza tutelar dos consumidores, fornecedores e produtores.
Com efeito, como a Arbitragem já sofreu inúmeras evoluções desde que implantada em nosso país, desde a mal interpretada inafastabilidade do Poder Judiciário, até a dispensabilidade da homologação judicial da sentença arbitral, provavelmente, aguarda-nos um momento em que culturalmente atentaremos para os ganhos do instituto em várias searas, inclusive no Direito do Consumidor.