- Carvalho Pereira Fortini
Artigo: STF e a cassação de aposentadoria de agentes públicos condenados por improbidade

Por Caio Cavalcanti
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de sua Primeira Turma[1], reconheceu a criticável possibilidade jurídica de aplicar a cassação de aposentadoria àqueles agentes públicos e particulares condenados nas ações de improbidade administrativa.
Em sede de agravo interno, a Corte Suprema asseverou que é possível a aplicação da cassação de aposentadoria enquanto penalidade pelo cometimento de atos ímprobos, mediante a conversão da pena de perda da função pública.
Trata-se de controversa decisão na medida em que há respeitável entendimento doutrinário e jurisprudencial, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, que advoga pela impossibilidade de aplicação da cassação de aposentadoria no âmbito das ações de improbidade administrativa. Fundamenta tal posicionamento o fato de a Lei nº 8.429/92 não prever expressamente a referida sanção, pelo que, pela ausência de previsão legal, não poderiam os acusados sofrer uma interpretação extensiva que lhes causasse prejuízo[2].
Com o devido respeito ao entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, temos que a interpretação mais consentânea com o texto constitucional é aquela hoje prevalecente no Superior Tribunal de Justiça.
Afinal, se a Lei nº 8.429/92 não traz expressamente tal possibilidade, impõe-se a vedação à interpretação extensiva desfavorável ao acusado no campo infracional e sancionatório, algo em certa medida similar à lógica penalista pela qual inexiste pena sem prévia cominação legal, o que é direito fundamental previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituição da República.
Ou seja, em âmbito punitivo, compreende-se que a interpretação dos dispositivos que tratam da disposição das infrações e das penalizações deve ser sempre restritiva, em prol do acusado. Isso porque a redução do patrimônio jurídico do indivíduo, e o poder de punir do Estado, somente podem ser legítimos se existente uma lei que assim permite, fruto do Poder Legislativo que, por sua vez, representa o povo, do qual todo o poder emana.
Eis uma das manifestações do princípio da legalidade, medula do Estado de Direito, que impede o arbítrio do poder punitivo. Não que nunca seja possível cassar a aposentadoria em sede de ação de improbidade, mas, para que isso seja legitimamente possível, sem dúvida é imperiosa a edição de uma lei em sentido estrito que preveja a penalidade.
Resta-nos aguardar se a Corte Suprema manterá o citado e questionável entendimento pela possibilidade de cassar a aposentadoria em ações de improbidade e, mais, se o Superior Tribunal de Justiça e os demais Tribunais brasileiros manterão o diverso – e mais harmônico com a Constituição da República – entendimento que até então é predominante, sobretudo considerando que a decisão do STF em análise não possui caráter vinculante.
[1] Agravo Interno no Recurso Extraordinário com Agravo 1.321.655/SP, Rel. Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA.
[2] A título de ilustração, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “O art. 12 da Lei 8.429/92, quando cuida das sanções aplicáveis aos agentes públicos que cometem atos de improbidade administrativa, não contempla a cassação de aposentadoria, mas tão só a perda da função pública. As normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva." Conferir: STJ, REsp 1.564.682/RO, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA. No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.643.337/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA.