- Carvalho Pereira Fortini
NOVO CORONAVÍRUS E A EPIDEMIA FINANCEIRO-TRIBUTÁRIA
Por Thiago Lage - Professor de Direito Tributário e Financeiro. Advogado.
Diz-se que após a tempestade vem a bonança. A experiência do ditado popular pode não se concretizar, tendo em vista o tempestuoso novo coronavírus, que assola fortemente o Brasil.
A discussão mais evidente reside entre as ciências da saúde e a ciência econômica – e a busca por equilíbrio que acomode interesses, aparentemente contraditórios, de priorizar isolamento social ou retomada da atividade econômica. A queda de braço é potencializada por ingredientes políticos de debates eleitorais recentes e, parece, também com olhos nas próximas eleições.
Não há equação testada para o enfrentamento da Covid-19, inédita em velocidade de propagação. Diante do quadro, o que fazermos? Essa é a “pergunta de um milhão de reais” (ou trilhões, em matéria de finanças públicas) que será aqui abordada sob a ótica do Direito Financeiro e Tributário.
No último dia 29 de março o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu medida cautelar (ADI 6.357) para afastar a exigência de demonstração de adequação orçamentária em relação à criação ou expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento da Covid-19. A medida dá suporte a despesas justificadas e urgentes mas, na prática, poderá desaguar em gastos desenfreados nas três esferas de governo. Quem pagará a conta? Nós, contribuintes brasileiros.
A despesa fixada no plano federal para 2020 é de R$3,68 tri, conforme art. 1º da Lei 13.978/2019, sendo estimados R$1,5 tri de receitas tributárias (Anexo I da Lei) advindas dos orçamentos fiscal e da seguridade social para fazer face aos gastos. O mesmo Anexo demonstra que R$917 bi consistem em refinanciamento da dívida pública. E, com a queda na arrecadação tributária decorrente da retração econômica e o aumento da despesa para enfrentamento da Covid-19, pode-se esperar endividamento ainda maior da União, com reflexos orçamentários para as próximas décadas.
Segundo relatório Focus do Banco Central publicado em 30 de março, a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2020 caiu de 2,17% para -0,48% em apenas quatro semanas. Se confirmada a projeção, toda a economia será negativamente impactada – e, consequentemente, contribuintes e cofres públicos. Logo, conclui-se que as medidas atuais de combate à pandemia vivida poderão levar, muito em breve, a uma “epidemia financeiro-tributária” no Brasil.
A solução seria conceder moratória? Ampliar transações tributárias? Prorrogar prazos de obrigações acessórias? Emitir moeda? Não pagar a dívida pública? As possibilidades acima têm prós, contras e variáveis bem complexas. Entretanto, se é muito difícil definir como proceder, que tal começar fixando o que não fazer?
Afinal, o que se vê é desgoverno, geração de desconfiança e insegurança jurídica. Autoridades dão orientações contraditórias em pronunciamentos oficiais; governos anunciam medidas tributárias e não as publicam no diário oficial, editam atos normativos e os revogam horas depois etc. Ao mesmo tempo, e em decorrência do silêncio do fisco, alguns contribuintes obtêm decisões no Judiciário postergando vencimento de tributos, enquanto muitas outras liminares são negadas – promovendo desigualdade entre concorrentes e castigando aqueles desprotegidos judicialmente. Se o quadro já era ruim “apenas” com o vírus; tornou-se ainda pior. Os equívocos são evidentes e entram na lista do que não fazer.
Este é o momento de as administrações tributárias municipais, estaduais e federal assumirem o papel de atividades essenciais ao funcionamento do Estado e atuarem de forma integrada, como manda a Constituição da República (art. 37, XXII), promovendo desburocratização e simplificação tributária por meio de ação coordenada.
O Brasil ocupa a vergonhosa 184ª posição (do total de 190 países) no quesito “pagamento de impostos”, conforme relatório Doing Business, do Banco Mundial. A classificação não é novidade para contribuintes, advogados e contadores, que lidam diariamente com a arquicomplexidade do nosso sistema tributário.
Já passou da hora de dar um basta nisso. Agora, vidas humanas pagam a conta inicial. No futuro de médio e longo prazo, nós, contribuintes e cidadãos (ricos e pobres), pagaremos toda a conta que sobrar. Se as autoridades permanecerem agindo em descompasso, após a tempestade não virá a bonança.