Carvalho Pereira Fortini
O FIM DA EFICÁCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 808 E AS DISPOSIÇÕES DA LEI 13.467/17

Renata Marra Toledo, advogada do "Carvalho Pereira, Rossi Escritórios Associados”
No dia 14 de novembro de 2017 foi editada a Medida Provisória nº 808, que teve por objeto a alteração de determinados artigos contidos na Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista.
O instituto da medida provisória é disciplinado pelo art. 62 da Constituição Federal, que dispõe: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”
Verifica-se, portanto, que as Medidas Provisórias consistem em espécies normativas e, considerado seu caráter de relevância e urgência, passam, após sua entrada em vigor, por processo de apreciação pelo Congresso Nacional para que sejam convertidas em lei, uma vez que não são leis propriamente ditas, mas apenas têm força de lei.
Assim, o §3º do Art. 62 nos informa que, caso as Medidas Provisórias não sejam convertidas em lei no prazo de sessenta dias – prazo este que pode ser prorrogado uma vez por igual período - perderão sua eficácia. Dessa forma, não sendo as Medidas Provisórias votadas no referido prazo, as disposições delas constantes deixam de ter aplicabilidade.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sofreu alteração em 11 de novembro de 2017, com a entrada em vigor da Lei 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista.
O texto da Reforma Trabalhista teve sua votação iniciada na Câmara dos Deputados e, quando de sua votação no Senado Federal, iniciou-se a discussão acerca da possibilidade de determinados artigos serem modificados.
Ocorre que, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 65, parágrafo único, caso o projeto de lei seja emendado pela Casa Revisora, que no caso é o Senado Federal, deverá ser submetido novamente à Casa Iniciadora, no caso, a Câmara dos Deputados, o que atrasaria a entrada em vigor da lei.
Assim, por meio de acordo formulado entre o Governo Federal e o Senado, não houve alteração do texto da Reforma Trabalhista e, para a regulação das questões objeto de discussão no Senado Federal, foi editada a Medida Provisória nº 808.
A Medida Provisória nº 808 entrou em vigor no dia 14 de novembro de 2017, alterando diversos dispositivos constantes da Lei 13.467/17.
Dentre as questões polêmicas reguladas pela MP, encontravam-se as seguintes:
- A Lei 13.467/17 seria aplicada aos contratos de trabalho que já estavam vigentes à época de sua publicação;
- A possibilidade, criada pela lei, de que a jornada 12x36 fosse negociada diretamente entre empregado e empregador, seria restrita ao setor de saúde;
- Proibição da cláusula de exclusividade para a contratação de trabalhadores autônomos;
- As empregadas grávidas deveriam ser afastadas de quaisquer atividades insalubres, exceto se, voluntariamente, apresentassem atestado médico que autorizasse o contato com atividades em graus mínimo ou médio de insalubridade;
- Empregador e empregado poderiam estabelecer, no contrato de trabalho intermitente, a reparação para os casos de cancelamento do serviço, excluindo assim, a multa de 50% constante da Lei.
- Empregado em contrato de trabalho intermitente não poderia prestar serviços ao mesmo empregador, por contrato intermitente, pelo prazo de dezoito meses a partir de sua demissão;
- As regras sobre a gorjeta, disciplinadas na Lei 13.419/17, a Lei da Gorjeta, que foram alteradas pela Reforma Trabalhista, voltaram a ter aplicabilidade;
- O valor das indenizações por danos extrapatrimoniais poderia variar entre 3 e 50 vezes o valor do teto de benefício do Regime Geral da Previdência Social;
- A comissão votada por empregados não substituiria as funções do sindicato da categoria.
Ocorre que a referida Medida Provisória não foi convertida em lei, perdendo sua eficácia no dia 23 de abril de 2018.
Com isso, surgem duas perguntas: as disposições constantes da Lei 13.467/17 serão agora aplicadas sem a aplicação do que fora regulado pela Medida Provisória? Como ficarão os contratos de trabalho firmados dentro do período de vigência da Medida Provisória?
A partir de 23 de abril de 2018, as disposições constantes da Lei 13.467/17 voltam a ser aplicadas como se a Medida Provisória jamais tivesse existido, ou seja, já não há mais que se falar, por exemplo, em adoção do teto de benefício do Regime Geral da Previdência Social como base para as condenações por danos morais.
Com a perda da eficácia da Medida Provisória é possível que o Congresso Nacional discipline as relações jurídicas delas decorrentes, por meio de Decreto Legislativo, conforme dispõe o §3º, do Art. 62 da Constituição Federal.
Assim, um Decreto Legislativo poderia dispor a respeito das situações consolidadas no período em que a Medida Provisória encontrava-se em vigor, como a questão relativa aos contratos firmados durante a vigência da medida, isto é, se permanecerão válidos ou se deverão ser adaptados.
Ocorre que, enquanto não houver a edição do referido Decreto Legislativo, prevalecem as disposições constantes da Lei 13.467/17 e os contratos de trabalho firmados durante a vigência da MP terão que ser analisados pela Justiça do Trabalho.
Vale ressaltar ainda que o Tribunal Superior do Trabalho criou uma comissão especial para análise das disposições constantes da Lei 13.467/17. Assim, é possível que o Tribunal edite Instrução Normativa que auxiliará na interpretação de várias disposições polêmicas que, até então, têm gerado grande insegurança jurídica.
O Ministro do Trabalho e a Casa Civil já se posicionaram no sentido da tentativa de edição de um decreto para regulamentar as situações atingidas pela Medida Provisória.
Enquanto isso, deputados e senadores estudam a apresentação de projetos de lei que buscam alterar a Reforma Trabalhista.
Não obstante, é necessário salientar que vigora no Direito do Trabalho o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, que tem por objeto a proteção do empregado no que toca a modificações contemporâneas ao seu contrato de trabalho.
Nesta esteira, diante das incertezas trazidas pelas alterações nos institutos abordados, é imperioso salientar que o ordenamento jurídico necessita, sobretudo, de segurança jurídica, alcançada por meio da edição de normas claras e eficazes, sendo necessária a atuação legislativa para sanar as eventuais situações de conflito entre os direitos dos trabalhadores, as leis vigentes e sua aplicação no caso concreto. É o que se espera da atuação do Congresso Nacional no caso em tela.