Carvalho Pereira Fortini
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO
Isabella Fonseca Alves [1]
Leonardo Varella Giannetti [2]
O novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), sancionado pela Presidente da República em 16 de março 2015 e publicado 17 de março de 2015, entrará em vigor em 18 de março de 2016. Assim sendo, nesse período de transição legislativa do antigo código (CPC de 1973) para o novo código, é necessário que seja feito um estudo aprofundado pelos advogados, juízes e serventuários, pois se estará diante de um Código que traz inúmeras mudanças altamente impactantes no sistema processual.
Uma das propostas do Novo Código de Processo Civil é a intenção de harmonização do sistema de direito processual ordinário com as garantias processuais, Direitos Fundamentais e princípios previstos no Texto Constitucional de 1988. Para isso, o novo Código traz uma série de inovações de extrema relevância no momento em que tenta estabelecer uma melhor frequência entre a legislação processual infraconstitucional com o modelo constitucional de processo.
Dentre essas mudanças, destaca-se o seu art. 4º em que se adota a regra interpretativa da primazia do julgamento do mérito e do máximo aproveitamento processual. No que isso consiste? Que não se busca mais extinguir os processos sem a análise de mérito por causa de vícios meramente formais para reduzir a carga de trabalho do juiz e o volume de processos, através do que denominamos como jurisprudência defensiva.
Dentro dessa ótica, no antigo Código (CPC de 1973), o relator considerava inadmissível o recurso por ausência de documentação ou representação. No novo Código, isso não mais será possível (art. 932, parágrafo único), pois deve o relator antes de inadmitir os recursos oportunizar as partes a correção desses vícios. Destaca-se ainda o art. 1.007, §4º que dispõe que, na hipótese de o recorrente não comprovar o recolhimento do preparo no ato de interposição do recurso, deverá o juiz intimá-lo para recolher em dobro, e não considerar de imediato o recurso deserto como acontece atualmente.
Da mesma forma, pelo novo Código, não será mais necessário ratificar as razões de recurso apresentado antes do julgamento de eventuais embargos de declaração opostos pela outra parte, sob pena de intempestividade. [3]
Por isso, vários enunciados de súmulas que objetivaram criar ferramentas formais de impedimento do julgamento de mérito através de um maior rigorismo do juízo de admissibilidade recursal restarão superados, tais como, a título de exemplo, os enunciados nº 288 e 639 do Supremo Tribunal Federal e os de nº 115 e 418 do Superior Tribunal de Justiça.
Precipuamente, é necessário compreender que uma das premissas interpretativas do novo Código de Processo Civil é a ideia de um sistema processual comparticipativo, cooperativo, conforme ensina o professor Doutor Dierle Nunes. Isso significa que o Código não aposta apenas na figura do magistrado ou das partes como os protagonistas do processo. O que prevalece é o protagonismo de todos os sujeitos processuais, sendo por isso um sistema policêntrico. E seria nessa perspectiva que o juiz teria o papel de garantidor dos direitos fundamentais, cabendo-lhe o dever de possibilitar o debate endoprocessual das partes para que seus argumentos sejam considerados e influenciem na formação das decisões.
Infelizmente, ainda prevalece no Brasil o entendimento ilegal e inconstitucional de que o juiz não precisa analisar todos os argumentos das partes para proferir sua decisão, deixando de enfrentar argumentos jurídicos relevantes. De forma mais que louvável, o novo Código, através de seu art. 10º, traz o contraditório como influência e não surpresa, pois não mais poderá o juiz decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado as partes oportunidade de se manifestar. Mas o novo Código vai além: deve o juiz enfrentar todos os argumentos deduzidos pelas partes no processo (art. 489, IV), pois, caso contrário, a decisão será nula. Afinal, é necessário que a decisão jurisdicional seja fruto de um debate prévio das partes, não sendo mais cabível que o contraditório seja tratado como uma mera bilateralidade ou contrariedade dos atos processuais.
Outra grande inovação é a ampliação das hipóteses de sustentação oral tanto do agravo interno aviado de decisão de extinção proferida em processo originário e o agravo de instrumento interposto de decisões interlocutórias sobre tutela provisória de urgência ou de evidência, destacando que apesar do regimento interno do TJMG prever esta ultima hipótese, algumas Câmaras cíveis não a autorizavam. No que isso afetaria? É através da sustentação oral que o advogado consegue fazer com que seja dada uma devida atenção aos seus argumentos e as especificidades do caso concreto, fazendo com que o processo saia da “vala comum”.
Nessa conjectura, faltam apenas sete meses para o novo código entrar em vigor e diante das inúmeras mudanças é mais que necessário um estudo aprofundado para que seja entendida sua nova técnica de aplicação e a forma como deve ser lido, pois diferentemente do código de 1973, os dispositivos da nova lei não se podem ser analisados de modo isolado e sim deve compreendê-los e aplicá-los sempre à luz e em conformidade com sua parte geral (art. 1º ao 12º) que são premissas norteadoras, através de uma leitura em sua unicidade, pois se busca, com o novo Código, efetivar o modelo constitucional de processo.
[1] Mestranda em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Diretora do Instituto de Investigação Cientifica Constituição e Processo da PUC Minas, Advogada no escritório Carvalho Pereira Pires, Fortini.
[2] Doutorando e Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Professor nos cursos de pós-graduação em Direito Tributário do IEC-PUC Minas; Sócio do escritório Carvalho Pereira Pires, Fortini Advogados.
[3] Art. 1024. (...) § 4º. Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração. § 5º. Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.