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  • Carvalho Pereira Fortini

Reprovação em exame psicotécnico de concurso público e a possiblidade de prova pericial


Por Alice Castilho


Comumente se depara com candidatos em concurso público – especialmente das Polícias Militar, Civil e Federal – que, reprovados no exame psicotécnico, ingressam no Judiciário, questionando o ato de exclusão.


A questão que se coloca é: o Poder Judiciário pode adentrar na metodologia e conclusão da comissão examinadora do concurso que, no exame psicotécnico, excluiu o candidato do certame?

A resposta demanda considerações prévias.


A imposição de requisitos especiais, ante a natureza das funções do cargo público, encontra previsão no art. 37, I da Constituição da República, segundo o qual "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei (...)“.


Acerca do exame psicotécnico / psicológico como fase eliminatória de concurso público, o Supremo Tribunal Federal já concluiu por sua possibilidade, desde que previsto expressamente em lei em sentido formal – Poder Legislativo. O entendimento foi materializado na Súmula Vinculante n. 44, de 2015, e Súmula 686, de 2003.


Ante a natureza técnica do exame, atos regulatórios exarados por órgão ou autoridade competente da Administração Pública serão necessários (Resoluções, Instruções), impondo-se, ainda, disposição clara no Edital do concurso, com critérios objetivos e previsibilidade de recurso no âmbito administrativo, em atendimento aos princípios da ampla e efetiva defesa e devido processo legal substancial, conforme também já definido pela Corte Constitucional: AI 758.533/RG – Tema 338 e AI 519.886 AgR, cujo trecho da ementa se destaca:


EXAME PSICOTÉCNICO. CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS OBJETIVOS E PREVISÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. 2. É firme a orientação desta Corte no sentido de que "o exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que seja feito por lei, e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame". (Relator: EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 26/04/2005)


Pergunta-se: atendidas essas regras, mas, sendo o candidato reprovado no exame psicotécnico, é permitida discussão desta reprovação na esfera judicial, com perito nomeado pelo Juízo?

Sim, porém com limitação.


Tanto os Tribunais Superiores quanto os Tribunais Federais e Estaduais admitem que técnica e fundamentos do laudo psicotécnico do concurso público podem ser revistos em perícia produzida no âmbito do Poder Judiciário.


Nesse caso, caberá à perícia judicial aferir se os critérios dispostos nos atos regulatórios são objetivos, bem como se o laudo do concurso seguiu estritamente tais regulamentações, com conclusão clara.


Laudos vagos, com descrições abstratas, e / ou conclusões contraditórias são passíveis de anulação.

A propósito, a Corte Constitucional, no RE 1.133.146, com repercussão geral – Tema 1.009:


“No caso de declaração de nulidade de exame psicotécnico previsto em lei e em edital, é indispensável a realização de nova avaliação, com critérios objetivos, para prosseguimento no certame” (j. 20/09/2018).


O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua vez, no IRDR - Cv 1.0024.12.105255-9/002 – tema 37, estabeleceu que “o Poder Judiciário não pode anular o ato administrativo de reprovação do candidato em exame psicológico legalmente realizado, como base em laudo pericial novo, produzido judicialmente; mas pode ser realizada perícia, judicialmente, que fique restrita à reavaliação psicológica do candidato no momento da realização do exame oficial, limitada ao exame das fichas técnicas para detectar vícios interpretativos ou legais”.[1]


Nesse contexto, outra dúvida exsurge.


Verificados vícios no laudo do concurso pelo perito judicial, qual solução deve ser adotada?

O Tribunal de Justiça de Minas, em três recentes oportunidades, tomou como base conclusões firmadas pelo perito judicial acerca do laudo do concurso, para reconhecer a aptidão do candidato. Confira-se:


“Volvendo à situação fática corporificada nos autos, vislumbro a inadequação técnica do exame administrativo com base no qual foi a autora desclassificada no certame analisado. Conforme se observa, a conclusão pela contraindicação da candidata no exame psicológico se baseou exclusivamente no critério definido no item 7, da Resolução nº 4.278/2013, que estabelece os seguintes itens a serem a analisados no exame psicológico:


1. descontrole emocional; 2. descontrole da agressividade; 3. Descontrole da impulsividade; 4. alterações acentuadas da afetividade; 5. oposicionismo a normas sociais e a figuras de autoridade; 6. Dificuldade acentuada para estabelecer contato interpessoal; 7. Funcionamento intelectual abaixo da média, associado a prejuízo no comportamento adaptativo e desempenho deficitário de acordo com sua idade e grupamento social; 8. Distúrbio acentuado da energia vital de forma a comprometer a capacidade para ação com depressão ou elação acentuadas. 9. Instabilidade de conduta (com indicadores de conflito intrapsíquico que possa refletir um comportamento inconstante e imprevisível); 10. Quadros de excitabilidade elevada ou de ansiedade generalizada; 11. Inibição acentuada com indicadores de coartação e bloqueio na ação; 12. Tremor persistente no(s) teste(s) gráfico(s)." (grifei)

Ou seja, dos 12 (doze) requisitos dos denominados Traços de Personalidade, relacionados acima, a autora foi indicada apta em onze, e se viu contraindicada em apenas no quesito de nº 7 (sete):

"funcionamento Intelectual abaixo da média, associado ao prejuízo no comportamento adaptativo e desempenho deficitário de acordo com sua idade e grupamento social".


Contudo, o Laudo de Avaliação Psicológica que embasou a exclusão da postulante do certame apresenta-se eivado de vícios, como concluiu a perícia técnica produzida em juízo, da qual se colhe, "in verbis" (evento n. 163):


Ademais, conforme bem pontuado pela i. magistrada "a quo", apresenta-se evidenciada a incoerência da contraindicação da autora, ao contrapor-se às provas carreadas ao feito, que demonstram a incontestável capacidade intelectual da candidata, com histórico de vida acadêmica e profissional eivadas de êxito, o que, por si, já seria suficiente a desnaturar a alegação no sentido de que é pessoa com funcionamento intelectual abaixo da média.


Verifica-se da documentação acostada, a título exemplificativo, que a demandante foi contemplada com uma bolsa integral (100% - cem por cento) pelo Programa Universidade para Todos - PROUNI, para cursar a Faculdade de Direito, e, após, tornou-se Bacharel em Direito sem qualquer reprovação acadêmica, foi aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e exerceu com êxito a profissão. A ora agravante também obteve a aprovação em 7º (sétimo) lugar para o Curso de História da prestigiada Universidade Federal de Minas Gerais.”[2]


“(...) a perícia judicial, elaborada após o regular trâmite do feito, consignou que o único teste que influenciou na reprovação do agravado foi o BETA III (vide resposta ao quesito "d", constante à f.6 da ordem 74). Nesse sentido, o mencionado laudo técnico destacou que a avaliação psicológica, conforme indica a Resolução do Conselho Federal de Psicologia 2 de 2016, deve-se proceder em análise conjunta dos resultados de todos os testes realizados. Concluiu-se, pois, que a "análise da avaliação psicológica como um todo não foi realizada, pois a conclusão final do Laudo Inicial considerou a meu ver, apenas o resultado isolado do teste BETA III" (f.4 da ordem 74). E mais: completou aduzindo que, "quando entendemos o 'funcionamento intelectual' como capacidade também de resolver problemas e lidar com conflitos e situações cotidianas, o Autor apresentou essas características nas demais testagens (NEO PI-R e PMK)". Em síntese, a perícia judicial foi categórica ao afirmar que o agravo está apto a exercer as atividades indicadas no certame, haja vista o equívoco interpretativo da banca examinadora ao não realizar análise conjunta de todos os resultados dos testes.”[3]


“Logo, diante da contradição entre os resultados apresentados, deve prevalecer o laudo do perito judicial como auxiliar do juízo, equidistante dos interesses das partes, mostrando-se suficiente para desconstituir o laudo realizado na via administrativa - que sequer foi juntado aos autos -, porquanto comprovado que o autor/apelado estaria apto a desempenhar as funções de bombeiro militar, segundo os testes realizados à época do concurso.”[4]


O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por sua vez, tem determinado realização de novo exame psicotécnico no âmbito administrativo, quando constatados vícios, por perito judicial, no primeiro laudo confeccionado:


“5. A apreciação do item 13 e do Anexo V do Edital n. 1/2018 PRF, bem como do item 2 do Edital n. 24/2019, permite concluir que não foram cumpridos os requisitos estabelecidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para a validade da avaliação, impondo-se sua repetição. 6. Apelação a que se dá provimento, reformando-se a sentença para considerar inválido o ato que eliminou o autor na avaliação psicológica, devendo esta ser novamente realizada com critérios objetivos e previamente divulgados. Caso o autor seja considerado apto na nova avaliação, deve ser-lhe reconhecido direito a participação nas demais fases do certame, incluída convocação para curso de formação profissional a ser realizado no mais recente concurso da PRF, regido pelo Edital n. 1/2021”[5]


“III - Na hipótese dos autos, não se afigura legítima a exclusão do autor do certame para provimento do cargo de Policial Rodoviário Federal, por meras presunções de inadequação ao perfil profissiográfico do cargo, mas somente quando o candidato revelar no exame psicotécnico sintomas de personalidade doentia e psicopática, inadequada para o preenchimento do aludido cargo público (EIAC 2005.30.00.000096-0/AC, Rel. p/ Acórdão Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE, Terceira Seção, julgado em 26/08/2014), o que não restou caracterizado. IV- Anulado o primeiro teste psicotécnico por ausência de objetividade dos critérios de correção previstos no edital, é necessário a realização de novo exame, em prestígio aos princípios da isonomia e da legalidade”[6]


Em que pese TJMG e TRF1 adotarem distintas soluções para demanda de natureza tão delicada, em que configurado vício no laudo psicológico realizado no curso do certame, vício este apontado por perícia judicial, claro esta que nenhuma dessas soluções afronta os princípios da isonomia e da separação dos poderes, garantindo, ademais, a submissão da administração pública ao princípio da legalidade.

 

[1] TJMG – Relator Desembargador Wander Marotta , 1ª Seção Cível, julgamento em 20/03/2019. [2] TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.18.022531-0/003, Relator(a): Des.(a) Corrêa Junior , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/09/2021, publicação da súmula em 27/09/2021 [3] TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.085368-5/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/07/2021, publicação da súmula em 28/07/2021 [4] TJMG - Apelação Cível 1.0024.10.002985-9/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/12/2021, publicação da súmula em 16/12/2021 [5] TRF1 – Apelação Cível nº 10309197120204013400, Relator Juiz Federal convocado Gláucio Maciel – Sexta Turma, j. 06/12/2021.. [6] TRF1 – Apelação Cível nº 10195761520194013400, Relator Desembargador Federal Souza Prudente – Quinta Turma, j. 08/09/2021

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